A vida comercial de Belém durante o ciclo da borracha
O ciclo do látex fez de Belém uma
metrópole mercantil, governada por uma burguesia associada ao capital
estrangeiro. Socialmente, uma das características marcantes dessa cidade-látex foi o emprego de grandes
contingentes populacionais em ramos complementares da atividade de produção. A
base do sistema comercial montado para a exploração do látex foi o capital
estrangeiro, já que não havia, na época, capital local capaz de sustentar o
empreendimento. Esse sistema, gerido conjuntamente pelo Governo do Pará e por
empresas estrangeiras, sem que deixasse de ter parceiros locais, baseou-se numa
série contínua de laços de dependência, gerando diversificada cadeia de
créditos que incluía companhias de seguro, casas bancárias, casas aviadoras, proprietários
de terras, companhias de navegação, casas de crédito comercial, companhias
seguradoras, seringalistas e seringueiros.
As mudanças econômicas transformaram
Belém em centro de negócios e, ao mesmo tempo, em local de residência e
convívio da classe alta e da ampla classe média. O Governo do Pará e a
Intendência (prefeitura) de Belém reconstruíram a cidade insistentemente
durante todo o ciclo, por um lado urbanizando bairros anteriormente rurais,
como Nazareth e, por outro, procurando constituir novos bairros com ares
rurais, como o Marco e a Pedreira, demonstrando um avançado conceito de
periferia urbana.
Descrever a Belém da época, e Belém
era o principal entreposto comercial do negócio da borracha, é falar dos
intrincados pilares econômicos que regiam e ligavam parceiros comerciais. Três
casas exportadoras detinham, em geral, a metade das grandes exportações
amazônicas, sendo o restante dividido entre firmas menores, quase todas
estrangeiras. Essas três grandes casas, sediadas em Belém, eram a Ernesto
Schramm, que representava a Heilbut, Symons & Co., de Liverpool; a Sears
& Co., uma subsidiária da prestigiosa W.R. Grace & Co., do grupo
internacional Sears, que logo se tornou a líder do mercado norte-americano,
sendo ainda no final do século XX a fornecedora de indústrias como a Goodyear,
e a Pirelli; e a La Rocque da Costa & Co., com capital misto
norte-americano e paraense.
O meio bancário de Belém possuía
diversos estabelecimentos pequenos, de capital paraense, e nove casas com
capital superior a 20 mil contos de réis, que eram o Banco da Lavoura, o Banco
Nacional do Brazil, o Banco do Pará, o Banco Commercial do Pará, o Banco de
Belém do Pará, a agência do Banco do Brazil, o English Bank, o London and
Brazilian Bank e o banco Emissor do Norte (mais tarde chamado de Banco Norte do
Brazil). Além desses, outros dois bancos, sediados em Manaus, mantinham
agências em Belém: o Banco do Amazonas (a partir de 1895) e o Banco Amazonense
(a partir de 1904). As companhias de seguros mais importantes eram a Companhia
Commercial do Pará, a Companhia Aliança, a Companhia Amazônia, a Companhia
Lealdade, a Companhia Segurança e a Companhia Garantia Amazônia, todas sediadas
em Belém e com sucursais em Manaus e no Acre.
O ciclo se completava com as casas
aviadoras, estabelecimentos comerciais que abasteciam os seringais em troca da
sua produção, célula comercial do sistema e, porfim, com os seringueiros, a
massas analfabeta que vinha do Nordeste ou de outros interiores paraenses em
busca de sonhos e miragens de fortuna fácil.
Paralelamente ao comércio
seringueiro, dois outros grandes comércios faziam a Era da Borracha: o comércio
importador e o grande comércio da obras públicas, geridas principalmente pelo
poder público. Os importadores foram, de início, firmas inglesas e
norte-americanas, logo substituídas pelos portugueses e judeus. Numerosíssimas,
abasteciam os delírios dos novos ricos, de gosto de imergente art-nouveau se
transformando, por necessidade material e espiritual, em ecletismo. Os
principais importadores eram as firmas Manoel Pinheiro & Cia., Silva
Cerdeira & Cia., Andrade & Cia., R. Vieira & Cia., Braga e Amorim,
Cunha Muniz, Silva Cascais, Aguiar Silva & Sobrinho, Antônio Peixoto Gomes
e Mello (esta em Manaus) e T. Brambeer. Essas firmas abasteciam dezenas de
lojas especializadas e, por vezes, as duas grandes "casas de
departamentos" da cidade, as poderosas "Torre de Malakoff" e
"Cúpula de Malquistã", que se rivalizavam como fornecedoras de
novidade às elites da goma.
O comércio das obras públicas era
também intenso e um dos principais fatores de circulação de rendas do ciclo.
Construções monumentais, sistemas de transporte urbano, de iluminação pública,
de construções de estradas, pontes, portos e barragens possibilitaram a
instalação, na região, de diversas empresas estrangeiras. Segundo Oliver Onody,
durante o ciclo do látex se instalaram em Belém firmas com capitais de vários
milhões de dólares, como a Companhia "Port of Pará" (capital declarado
de 32 milhões de dólares), a "Amazon Land and Colonization",
"The Sears Pará Rubber", "Madeira Mamoré Railway Company",
"The Mojú Rubber Plantations and Development Company", "Cie.
d'Eterprises Électriques du Pará", "La Brésilienne",
"Societé des Abbatoirs du Pará", "Cie. Agricole et Commerciele
du Bas Amazones", "The Brazilian Rubber Trust", "Cie. de
Gas du Pará", "The Amazon Telegraph Co.", "The Pará Eletric
Co.", "Municipality of Pará Improovment Co.", "The Amazon
Valley Development" e a poderosa "The Amazon River Steam
Navigation", que penetrou mais profundamente no imaginário do ciclo.
Excerto de "A Cidade Sebastiana. Era da Borracha, memória e melancolia numa capital da periferia da modernidade", meu livro, que pode ser encontrado na Fox (Dr. Moraes entre Conselheiro e Mundurucus), livraria da UFPA, livraria Humanitas, Ná Figueiredo, banca do Alvino. E, fora de Belém (ou pela internet), nas Livrarias Cultura e Leonardo da Vinci.
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