2 de agosto de 2012

A vida comercial de Belém durante o ciclo da borracha


A vida comercial de Belém durante o ciclo da borracha


O ciclo do látex fez de Belém uma metrópole mercantil, governada por uma burguesia associada ao capital estrangeiro. Socialmente, uma das características marcantes dessa cidade-látex foi o emprego de grandes contingentes populacionais em ramos complementares da atividade de produção. A base do sistema comercial montado para a exploração do látex foi o capital estrangeiro, já que não havia, na época, capital local capaz de sustentar o empreendimento. Esse sistema, gerido conjuntamente pelo Governo do Pará e por empresas estrangeiras, sem que deixasse de ter parceiros locais, baseou-se numa série contínua de laços de dependência, gerando diversificada cadeia de créditos que incluía companhias de seguro, casas bancárias, casas aviadoras, proprietários de terras, companhias de navegação, casas de crédito comercial, companhias seguradoras, seringalistas e seringueiros.
As mudanças econômicas transformaram Belém em centro de negócios e, ao mesmo tempo, em local de residência e convívio da classe alta e da ampla classe média. O Governo do Pará e a Intendência (prefeitura) de Belém reconstruíram a cidade insistentemente durante todo o ciclo, por um lado urbanizando bairros anteriormente rurais, como Nazareth e, por outro, procurando constituir novos bairros com ares rurais, como o Marco e a Pedreira, demonstrando um avançado conceito de periferia urbana.
Descrever a Belém da época, e Belém era o principal entreposto comercial do negócio da borracha, é falar dos intrincados pilares econômicos que regiam e ligavam parceiros comerciais. Três casas exportadoras detinham, em geral, a metade das grandes exportações amazônicas, sendo o restante dividido entre firmas menores, quase todas estrangeiras. Essas três grandes casas, sediadas em Belém, eram a Ernesto Schramm, que representava a Heilbut, Symons & Co., de Liverpool; a Sears & Co., uma subsidiária da prestigiosa W.R. Grace & Co., do grupo internacional Sears, que logo se tornou a líder do mercado norte-americano, sendo ainda no final do século XX a fornecedora de indústrias como a Goodyear, e a Pirelli; e a La Rocque da Costa & Co., com capital misto norte-americano e paraense.

O meio bancário de Belém possuía diversos estabelecimentos pequenos, de capital paraense, e nove casas com capital superior a 20 mil contos de réis, que eram o Banco da Lavoura, o Banco Nacional do Brazil, o Banco do Pará, o Banco Commercial do Pará, o Banco de Belém do Pará, a agência do Banco do Brazil, o English Bank, o London and Brazilian Bank e o banco Emissor do Norte (mais tarde chamado de Banco Norte do Brazil). Além desses, outros dois bancos, sediados em Manaus, mantinham agências em Belém: o Banco do Amazonas (a partir de 1895) e o Banco Amazonense (a partir de 1904). As companhias de seguros mais importantes eram a Companhia Commercial do Pará, a Companhia Aliança, a Companhia Amazônia, a Companhia Lealdade, a Companhia Segurança e a Companhia Garantia Amazônia, todas sediadas em Belém e com sucursais em Manaus e no Acre.
O ciclo se completava com as casas aviadoras, estabelecimentos comerciais que abasteciam os seringais em troca da sua produção, célula comercial do sistema e, porfim, com os seringueiros, a massas analfabeta que vinha do Nordeste ou de outros interiores paraenses em busca de sonhos e miragens de fortuna fácil.
Paralelamente ao comércio seringueiro, dois outros grandes comércios faziam a Era da Borracha: o comércio importador e o grande comércio da obras públicas, geridas principalmente pelo poder público. Os importadores foram, de início, firmas inglesas e norte-americanas, logo substituídas pelos portugueses e judeus. Numerosíssimas, abasteciam os delírios dos novos ricos, de gosto de imergente art-nouveau se transformando, por necessidade material e espiritual, em ecletismo. Os principais importadores eram as firmas Manoel Pinheiro & Cia., Silva Cerdeira & Cia., Andrade & Cia., R. Vieira & Cia., Braga e Amorim, Cunha Muniz, Silva Cascais, Aguiar Silva & Sobrinho, Antônio Peixoto Gomes e Mello (esta em Manaus) e T. Brambeer. Essas firmas abasteciam dezenas de lojas especializadas e, por vezes, as duas grandes "casas de departamentos" da cidade, as poderosas "Torre de Malakoff" e "Cúpula de Malquistã", que se rivalizavam como fornecedoras de novidade às elites da goma.
O comércio das obras públicas era também intenso e um dos principais fatores de circulação de rendas do ciclo. Construções monumentais, sistemas de transporte urbano, de iluminação pública, de construções de estradas, pontes, portos e barragens possibilitaram a instalação, na região, de diversas empresas estrangeiras. Segundo Oliver Onody, durante o ciclo do látex se instalaram em Belém firmas com capitais de vários milhões de dólares, como a Companhia "Port of Pará" (capital declarado de 32 milhões de dólares), a "Amazon Land and Colonization", "The Sears Pará Rubber", "Madeira Mamoré Railway Company", "The Mojú Rubber Plantations and Development Company", "Cie. d'Eterprises Électriques du Pará", "La Brésilienne", "Societé des Abbatoirs du Pará", "Cie. Agricole et Commerciele du Bas Amazones", "The Brazilian Rubber Trust", "Cie. de Gas du Pará", "The Amazon Telegraph Co.", "The Pará Eletric Co.", "Municipality of Pará Improovment Co.", "The Amazon Valley Development" e a poderosa "The Amazon River Steam Navigation", que penetrou mais profundamente no imaginário do ciclo.

Excerto de "A Cidade Sebastiana. Era da Borracha, memória e melancolia numa capital da periferia da modernidade", meu livro, que pode ser encontrado na Fox (Dr. Moraes entre Conselheiro e Mundurucus), livraria da UFPA, livraria Humanitas, Ná Figueiredo, banca do Alvino. E, fora de Belém (ou pela internet), nas Livrarias Cultura e Leonardo da Vinci. 

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