31 de julho de 2012

Imagining London



Quando penso em Londres penso, de imediato, numa visão mais ou menos como esta. A Londres de... Peter Pan. Aliás, achei excelente a idéia de representar a cidade, na abertura dos Jogos Olímpicos, por meio da literatura infantil e infanto-juvenil que, de alguma forma, foi produzida na cidade ou tendo-a como pano de fundo. Ou mesmo aquela que, apenas num relance, vislumbre Londres. E são tantos os exemplo. Para além de Peter Pan me ocorre Mary Poppins, Alice, Johnny (para alguns Jennigs), Peter Rabbit, Harry Potter, Narnia, etc. Mesmo que alguns desses não se passem, centralmente, em Londres, têm a cidade como uma referência. Ou seja, há um imaginário, partilhado não só na Grã-Bretanha, mas disseminado no mundo globalizado, que projeta a cidade de Londres, produzindo sobre ela uma espécie de mitologia do presente. Londres é contemporânea de si mesma. Cotidiana de si mesma.

Gosto muito de Londres. Quando fui lá pela primeira vez fiquei impressionado com a simplicidade da cidades e com a gentileza dos seus habitantes. Londres não tem a monumentalidade de Paris e nem o nervosismo da vida parisiense. Parece haver tempo para gastar. Além disso, é evidente o inconformismo dessa cidade - uma criatividade sempre tangente, no jeito de vestir, no gosto musical, na simbiose multicultural... Um inconformismo que parece paradoxal, ao menos para mim, um estrangeiro, quando pensamos que se trata da sede de uma monarquia e a pátria do liberalismo.

A propósito, a falar sobre simbiose multicultural, é impressionante como Londres se tornou um país estrangeiro. Um lugar multicultural, transcultural e... pós-cultural. Acho que é o melhor lugar do mundo para ser estrangeiro. Se eu fosse londrino ia querer ser estrangeiro de mim mesmo. 

Uma vez me deram um conselho: You should not be inhospitable with strangers. They could be angels in disguise. Não que eu estivesse o sendo. Foi só um conselho preventivo.




Cartografias da cidade-látex


Por alguma razão, a postagem original desapareceu do blog. Republico-a, então:

Excerto de "A Cidade Sebastiana. Era da Borracha, memória e melancolia numa capital da periferia da modernidade", meu livro, que pode ser encontrado na Fox (Dr. Moraes entre Conselheiro e Mundurucus), livraria da UFPA, livraria Humanitas, Ná Figueiredo, banca do Alvino. E, fora de Belém (ou pela internet), nas Livrarias Cultura e Leonardo da Vinci.


Entre 1880 e 1912, período áureo da economia seringueira na Amazônia, a cidade de Belém foi o ponto central de um discurso de poder - a modernidade - que lhe reformulou o plano urbano e os costumes. O monopólio mundial do látex, mantido pela Amazônia nesse período, permitiu investimentos, públicos e privados, que tornaram Belém uma cidade única, de cores tradicionais acrescidas dos signos de sofisticação, higienização e agilização da vida citadina do mundo europeu de então. Seguindo esses princípios, essa Belém ergueu-se altiva, uma capital da modernidade, ainda que na periferia extrativista e monocultora do capitalismo oitocentista.
Em 1905 o município de Belém possuía uma área de 40.156.568 m2, com 24.103.972 m2 de área edificada, o que correspondia a 53 ruas e avenidas, 52 travessas, um número incalculável de "corredores" e pequenos caminhos, 22 largos, 790 construções assobradadas, inclusive os "palacetes", 9.152 prédios, 2.600 pequenas casas e onze grandes trapiches nos portos.


Essa era a cidade "lemista", administrada pelo intendente Antônio José de Lemos, principal líder político paraense entre 1897 e 1912 e que realizou tantas reformulações na cidade que, não raro, associa-se à sua figura a própria "Era da Borracha", como se tivesse sido o principal responsável pela riqueza amazônica da época. A Belém-látex pré-lemista, tanto a capital do Grão-Pará imperial quanto a cidade dos primeiros tempos republicanos, já apresentava uma série de avanços modernos. No entanto, para dizer o que "foi", modernamente, a Belém-látex, seria melhor ir a 1912, ano da débacle - a falência da economia seringueira -, para que se tenha a somatória das cartografias das suas modernidades, seja a parte de Belém que foi de inspiração "lemista", seja a parte dela que surgiu de outras inspirações, tanto públicas quanto particulares.
Em 1912 a cidade estava dividida em seis distritos, cada um coordenado por uma prefeitura policial. O primeiro distrito englobava o núcleo inicial da cidade, o bairro da Cidade Velha em primeiro plano. Principalmente residencial, ali também estavam instalados os principais prédios do poder público, os palácios governamentais, as secretarias de Estado, o presídio de São José, a sede do bispado, o Arsenal de Marinha, os corpos policiais e os bombeiros.
O eixo estrutural era a avenida 16 de Novembro, que unia o Largo dos Palácios, sede administrativa, ao Largo de São José - passando, na metade do caminho, pelo Largo do Redondo. Mas o eixo principal, local de residência das famílias tradicionais, era o circuito formado pelas ruas Dr. Assis e Dr. Malcher, ambas paralelas, que uniam o Largo da Sé ao Arsenal de Marinha. Nesse eixo, travessas importantes constituíam a velha Belém, familiar e devota. Era ponto importante a Rua Siqueira Mendes, a mais antiga da cidade, que ia da Sé ao Largo do Carmo, local de importantes referências urbanas como o Palácio Velho, antiga sede do governo, o colégio e a igreja do Carmo e o Porto do Sal, ancoradouro de embarcações fluviais que, ali mesmo, comercializavam seus produtos. Outro local de convergência do distrito era o Largo de São Joãozinho, por trás do Palácio dos Governadores, sede do governo, construído durante a administração pombalina, na metade do século XVIII. Para ali convergiam as ruas de Santarém e de Cametá, artérias residenciais. A avenida 16 de Novembro e as ruas Dr. Assis e Dr. Malcher, e também os Largos da Sé e dos Palácios eram atendidos pelos serviços de bonde elétrico. No mesmo distrito, em direção ao Rio Guamá, havia ainda o bairro do Jurunas, habitado por classes populares mas não inteiramente aberto aos imigrantes nordestinos que chegavam.


O segundo distrito constituía o bairro da Campina, ou do Commércio, cujas construções antigas iam, aos poucos, sendo substituídas por novos e imponentes prédios modernos. É interessante observar como o ciclo do látex modificou as estruturas sociais desse antigo bairro de Belém, firmando-o como bairro comercial. A grande área que ficava entre os alagados do Piry - uma imensa área lamacenta cujo aterramento, a partir do século XVIII, determinou os rumos da evolução urbana da cidade - e a faixa litorânea, tradicionalmente "a Campina", logo se dividiu em dois setores razoavelmente demarcados: o Commércio, ou seja, a parte litorânea e mais antiga do bairro, e a Campina, a zona de aterramentos que adentravam no velho Piry e faziam-no sumir. Porfim, o segundo distrito compreendia, ainda, o bairro do Reduto, que abrigou, a partir da década de 1910, fábricas e vilas operárias.
Três bairros, portanto, compunham o segundo distrito. Os pontos de convergência urbana desses bairros eram muitos, mas seus eixos eram razoavelmente contínuos. Assim, a Rua João Alfredo, ainda no bairro do Commércio, se transformava em Rua de Santo Antônio, e, a seu ponto final, era paralela à principal artéria do bairro do Reduto, a Rua 28 de Setembro. A Rua Paes de Carvalho atravessava os bairros da Campina e do Reduto como uma artéria de ligação. Nesse distrito os pontos de convergência urbana eram, no Commércio, o Boulevard da República, em frente à baía do Guajará, o complexo de mercados do Ver-o-Peso, o complexo de trapiches do porto e o Largo das Mercês. Na Campina, o Largo do Rosário e, no Reduto, a sua “doca” que, a partir de 1905, com a construção do cais inglês, foi sendo descaracterizado e perdendo suas funções tradicionais, como ponto de desembarque do comércio fluvial.
O terceiro distrito atendia, de início, unicamente, à parte de Belém que estava destinada a ocupar a função de novo centro da cidade: o Largo da Pólvora. A partir de 1905, os limites da jurisdição desse terceiro distrito foram elevados até a Praça Baptista Campos e seus arredores, que antes pertenceram ao distrito da Cidade Velha. O Largo da Pólvora constituía ponto mítico de Belém. Ali concentravam-se as maiores esperanças no futuro da cidade. Estava instalado em condições geográficas favoráveis, num ponto sólido de terra e na confluência entre cinco dos seis distritos urbanos. Além disso, durante a primeira fase do ciclo do látex, entre 1860 e 1885, aquele ponto de Belém foi convertido em lugar de divertimentos: cafés, bares, bilhares, prostíbulos, circos e teatros de rendez-vous (como o famoso Chalet), o que dava ao lugar certo ar de mistério e de proibição. Com o tempo, com a urbanização das proximidades e com a sofisticação crescente daquelas "diversões" - instalação de "cinematógrafos", construção do Theatro da Paz e do Grande Hotel, inauguração de cafés elegantes, do Palace Theatre e até de uma montanha russa, a Pólvora tornou-se o ponto mais elegante da cidade, com suas calçadas largas e com a transformação das avenidas 15 de Agosto e Ferreira Penna em boulevards arborizados. As imediações também se modificavam nesse sentido. Baptista Campos, a avenida Serzedello Corrêa e a "Soledade" tornaram-se, entre 1895 e 1910, local de residências importantes, place dos palacetes, o mesmo acontecendo com as duas grandes avenidas que partiam da Pólvora: São Jerônymo e Nazareth, que se prolongavam entrando na área do quarto distrito.


Essa quarta área urbana possuía um grande eixo estrutural: a avenida Nazareth, que partia do Largo da Pólvora em direção ao Largo de Nazareth e que, daí em diante, seguia com o nome de avenida Independência, mais larga e retilínea, até o Largo de São Braz. As Avs. São Jerônymo e São Braz, paralelas à Nazareth, davam o corpo principal do imponente bairro de Nazareth, antiga zona rural da cidade, antes ocupadas por "rocinhas", quintas e granjas típicas da Belém oitocentista, e que agora davam lugar a palacetes e sobrados das elites seringueiras mais prósperas. Do Largo de Nazareth partia a avenida Generalíssimo Deodoro, que seguia até o Largo de Santa Luzia, onde estavam instalados os novos prédios da Santa Casa de Misericórdia. Essa avenida, por sua vez, constitua o eixo central do recente bairro do Umarizal, cujas ruas foram abertas sobre um cerrado bosque de umaris, de onde lhe vem o nome. Além do Umarizal, passando o Largo de Santa Luzia, a Tv. Dom Pedro, a avenida São João e a Rua da Municipalidade compunham as artérias principais do bairro também recente da Sacramenta que, por sua vez, comunicava-se com o Reduto.
Mas o quarto distrito ia além de Nazareth: alcançava o bairro de São Braz, em torno do largo de mesmo nome, onde, em 1909, foi inaugurado um grande mercado municipal. Havia ali a estação principal da estrada de ferro de Bragança e um velódromo. A partir de São Braz, em direção ao sul, ou seja, ao Rio Guamá, havia uma tendência de expansão urbana cujo eixo foi a avenida José Bonifácio, que levava ao cemitério de Santa Isabel. A sucessão de travessas paralelas à José Bonifácio logo constituíram o bairro do Guamá. As áreas próximas ao Largo de São Braz, mas pouco urbanizadas, foram utilizadas para instalar os largos fluxos de imigrantes nordestinos, expulsos pelas secas e atraídos pelo fascínio da borracha. Para muitos, essas áreas de São Braz constituíam os pontos mais perigosos da cidade, e parecia haver um certo descontrole, naquela área, dos projetos urbanos lemistas. São Braz fora programado ser a porta de entrada ao bairro de Queluz, que Lemos pretendia tornar a zona mais nobre de Belém e futura sede do poder público. Ocupado pelos imigrantes nordestinos, que ali desembarcavam e se estabeleciam, talvez por isso, não tenha sido urbanizado de acordo com os projetos da intendência.


Também a partir de São Braz seguia a magistral avenida Tito Franco, projeto fundamental da urbanística lemista, que pretendia definir, como de fato definiu, os rumos da expansão futura da cidade. Essa avenida levava ao "marco da légua", marco da primeira légua patrimonial urbana, ponto limite de Belém. Nessa grande avenida vazia, de quase nove quilômetros de extensão, cercada por matas, o poder público construiu equipamentos de grande porte: o Instituto Lauro Sodré, escola técnica com aparato europeu, o asilo de mendicidade, o asilo dos alienados e o Bosque Municipal, primeiro dos dezesseis grandes bosques que seriam construídos na cidade, não fosse o débacle da economia seringueira. Construções particulares não menos imponentes foram sendo construídas, aos poucos, ao longo e nas proximidades da Tito Franco, e também novas quintas e granjas foram ali instaladas. A estrutura urbana projetada, por sinal, previa casas com quintais imensos, de modo a resgatar o antigo ar rural de Nazareth.
Os distritos urbanos de número 5 e 6 constituíam projeções imaginárias da expansão do tecido urbano.Pode-se vê-los no mapa de José Sydrim, desenhista municipal, elaborado em 1905, onde constituem uma malha simétrica perfeita, composta por dezenas de quarteirões retangulares cortada por largas avenidas e boulevares e preenchida por bosques e praças. Esses dois distritos imaginários indicam o projeto urbanístico de Antônio Lemos, assinalando os rumos de crescimento urbano pretendidos pelo poder público. Eles encerram-se rigorosamente na fronteira da primeira légua patrimonial urbana, tracejada sobre a forma de um anel viário a ser implementado.
Mas, naturalmente que nem tudo era imaginação no desenho desses distritos: os subúrbios da Pedreira, da Sacramenta, do Telégrafo e do Marco, bairros atuais de Belém, conformavam, já, manchas urbanas, algumas importantes, como no caso do primeiro desses quatro subúrbios. Além disso, cabe destacar a avenida Tio Franco de Almeida, eixo central do projeto lemista, que separava os dois distritos e que já então constituía a entrada e saída terrestre de Belém. Cabe ainda notar-se que esses dois distritos imaginários cobriam a larga extensão de terras alagadas da cidade, de resto representados no mapa de 1905 por meio de linhas pontilhadas – curiosamente subpostas, não obstante serem as linhas reais da planta, pelo tracejado forte dos quarteirões a construir.

As imagens foram copiadas do Álbum O Pará, impresso pelo Governo do Estado em 1905. 

26 de julho de 2012

Cultura de periferia na periferia

Cultura de periferia na periferia
por Renato Souza de Almeida

A antropofagia periférica parece comer toda a obra de arte da cultura culta, transformando-a em arte-vida, a partir da experiência cotidiana de quem a produz. A produção não é praticada apenas para que se alcance o reconhecimento pessoal de sua criação, mas p/ que tenha um uso, tanto p/ quem cria como p/ quem a consome.

A expressão cultura de periferia é algo que passou a ser utilizado muito recentemente, seja nos movimentos sociais ou nas pesquisas acadêmicas. Desde os anos 1980, a palavra periferia passou por um intenso processo de metamorfose semântica. Naquela década, Eder Sader havia encontrado na periferia novos personagens políticos que organizavam movimentos sociais diversos; Magnani achou o circo, o futebol de várzea, os violeiros e outras formas de lazer; e, alguns anos depois, Helena Abramo deparou-se com os jovens punks... Mesmo com todas essas peculiaridades, nos anos 1980 ainda não era comum a referência a uma cultura ou arte de periferia. Bem como, não era tão tranquilo para os jovens assumirem que viviam em regiões periféricas, seja na busca de emprego ou em alguma paquera que conseguiam em uma discoteca, por exemplo. Como morador de região periférica desde o nascimento, em minha adolescência, no início dos anos 1990, não foram poucas as vezes em que via jovens, da minha faixa etária, negarem seus bairros de origem por vergonha de terem que assumir morar na periferia.

A partir de meados da década de1990, com o boom do movimento hip-hop, a periferia começou a ser vista por muitos jovens com sentimento de orgulho, o que provocou, inclusive, o interesse de jovens de classe média e alta pela estética periférica. Com a música dos Racionais MC’s, por exemplo, a região da zona sul passou a ser comentada pelos jovens, despertou curiosidade em quem não a conhecia e certa vaidade para quem lá vivia, pois o país todo tomou conhecimento da sua quebrada. Da mesma forma, com o sucesso de alguns grupos de pagode, como o Negritude Junior, liderado por Netinho de Paula, que tratavam do cotidiano das periferias em suas músicas, tornou-se comum encontrar pessoas vestindo camisetas com os dizeres 100% Cohab, 100% zona leste ou 100% periferia. Os anos 1990 foram acompanhados por uma valorização simbólica das periferias. Ao mesmo tempo que crescia a midiatização da violência, diversos programas televisivos e filmes procuravam tratar da vida dos moradores dessas regiões, apontando aspectos positivos em seus modos de vida e expressões culturais.

No início do milênio, despontaram alguns escritores, moradores das periferias de São Paulo, que ficaram conhecidos como pertencentes ao movimento de literatura periférica ou, como nomeado pela revista Caros Amigos, de literatura marginal. Essas edições comentavam a produção literária de escritores como Sérgio Vaz, Ferrez, Sacolinha, Alessandro Buzo, Allan da Rosa, entre outros. Tais “autores periféricos” também já chamaram a atenção da grande mídia, fazendo-se presentes em diversos programas televisivos e de editoras comerciais, como é o caso da Editora Global.

A antropofagia periférica

Sérgio Vaz é um dos fundadores da Cooperativa Cultural da Periferia (Cooperifa) que se reúne semanalmente em um boteco na zona sul de São Paulo, onde realiza um famoso sarau. Foi um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna da Periferia, que aconteceu de 4 a 11 de novembro de 2007 e reuniu vários coletivos culturais, de diferentes expressões artísticas que se identificam com esse movimentomais amplo que vem sendo chamado de cultura de periferia. Seu Manifesto da Antropofagia Periférica, em referência ao Manifesto Antropofágicode Oswald de Andrade de 1928, resume a inspiração que levou à organização da Semana, apontando dentre outras coisas que “a periferia nos une pelo amor, pela dor e pela cor. Dos becos e vielas há de vir a voz que grita contra o silêncio que nos pune. Eis que surge das ladeiras um povo lindo e inteligente galopando contra o passado. A favor de um futuro limpo, para todos os brasileiros”.¹

Lendo todo o seu manifesto e observando a forma como os diferentes coletivos e agrupamentos utilizam a palavra periferia, é perceptível que ela assume um sentido para além daquela que é designada como uma relação de distância geográfica a partir de algum centro. Periferia assume um conjunto de representações simbólicas que congrega aspectos relacionados à classe, à etnia, ao lugar de moradia e à condição de jovem na metrópole. Para esses grupos, tornou-se uma espécie de categoria social capaz de dar conta de alguns cruzamentos identitários assumidos na vivência de sua condição.

Embora Sérgio Vaz tenha mais de 40 anos, o público majoritário dos saraus da Cooperifa e das outras ações desenvolvidas por diversos coletivos periféricos da cidade é formado por pessoas jovens, com idade de até 29 anos. Os grupos identificados comoculturas juvenis não recebem essa titulação por serem constituídos integralmente de jovens, mas por terem uma característica que vai dialogar, sobretudo, com a juventude. É o caso dos movimentos punk ou hip-hop. Pois, mesmo que Clemente (da banda punkInocentes), Nelson Triunfo (dançarino, breaker) ou até Mano Brown (do grupo Racionais MC’s) não sejam mais jovens, o estilo musical que representam tem apelo muito maior entre esse público. Esse talvez seja um dos motivos pelos quais outros jovens de classe média aproximam-se desses eventos. Por mais que haja diferenças na situação sócioeconômica e étnica entre estes e aqueles que estão promovendo as atividades na periferia, o fato de serem jovens parece ser uma porta de entrada que os tornacúmplices em um jeito próprio de experimentar a cidade.

A questão da cor, apontada no Manifestode Vaz como um dos elos da periferia, não demonstra apenas a identidade étnica assumida por esses grupos, mas sua forma de compreender o que chamam de arte. Para diversos coletivos de periferia, a literatura periféricatem suas origens no poeta negro pernambucano Solano Trindade. O escritor é uma das principais referências de suas ações, pois, para esses grupos, não é possível fazer arte sem relacioná-la com suas vidas, assim como fez Solano. Sua poesia incomodava, pois tratava de racismo, preconceito, negritude, num contexto histórico em que, nos discursos oficiais, o Brasil era guiado pelo mito da democracia racial. Não por acaso, esse é o nome de uma biblioteca comunitária na Cidade Tiradentes, extremo leste da cidade, organizada por jovens, em sua maioria negros, de um coletivo chamado Núcleo Cultural Força Ativa. O NCA – Núcleo de Comunicação Alternativa – da zona sul, produziu um vídeo-documentário sobre a vida desse poeta intitulado “Imagens de uma vida simples”.

Nesse sentido, para esses coletivos que produzem arte periférica não há arte pela arte. Ela torna-se ação política à medida que, nas suas práticas, não se pode produzi-la sem relacioná-la à sua inserção social, ao seu “jeito de estar no mundo”, à sua identidade. A arte não está em um plano etéreo ou num campo teológico, pura, nos termos utilizados por Walter Benjamin,² mas inserida nas experiências de vida de seus produtores. A reprodução técnica, segundo Benjamin, acabou com a aura da obra de arte original, porém, é responsável por politizar a arte. A obra de arte sai de uma condição de impalpável, sagrada, para se inserir no cotidiano e na vida das massas. Isso ocorreu, sobretudo, a partir do cinema e da fotografia.

A antropofagia periféricaparece comertoda a obra de arte da cultura culta, aurática, transformando-a em arte-vida, a partir da experiência cotidiana de quem a produz. A produção periférica não é praticada apenas para que se alcance o reconhecimento pessoal de sua criação (que, obviamente, diz respeito à própria condição humana), mas para que tenha um uso, tanto para quem cria como para quem a consome. E esse uso é sobretudo político, contra o artista surdo-mudo e a letra que não fala– como afirma oManifestode Vaz – e a favor da arte, da poesia e da palavra que fala, que denuncia, que anuncia.

Como foi visto, a “questão de classe” sozinha não é uma categoria que dá conta de responder a esse complexo chamado deperiferia, mas é elemento importante em seu conteúdo semântico. O centro ou o outro lado da ponte, em referência à Marginal Pinheiros e Tietê, como costumam afirmar os artistas periféricos das zonas sul e norte, é uma fronteira geográfica, mas é também uma linha imaginária que define o lado de cá e o lado de lá. Ou seja, estar na cultura de periferia é tomar partido, assumir um lado, compartilhar uma mesma luta. E esse lado ou essa luta é também uma luta de classes. A pobreza não é um assunto fora de modapara esses grupos, mas vem relacionada a uma série de outros elementos.

Radical, mas não fundamentalista

Nem todos que moram na periferia são pobres. Mas, na cultura de periferia, tratar da pobreza e das precárias condições de vida é uma forma de relacionar arte-vida, como se apontou acima. Há que se diferenciar estar na periferia e estar na cultura de periferia. Para quem mora na periferia e produz arte de periferia, fica difícil perceber tal diferença. Porém, nem todos os artistas que residem na periferia comungam com esse tipo de arte, como, por exemplo, aqueles que fazem uma arte decorativa. Da mesma forma, um morador do centro pode identificar-se com essa arte periférica, muito por conta de sua condição socioeconômica ou étnica. Desde as letras de rap, as poesias marginais, até os vídeos populares etc., denunciar a desigualdade social e apontar os modos de vida cotidianos dentre os pobres tornou-se conteúdo quase que obrigatório nesse tipo de arte. Contudo, vale ressaltar que, mesmo não se reconhecendo como arte pela arte, a cultura de periferia também não se identifica, a priori, com essa ou aquela ideologia. Sua atitude é política, mas não doutrinária. A questão de classe citada anteriormente assume muito mais um caráter simbólico de afirmação identitária do que necessariamente um discurso mais elaborado de uma dada ideologia política. Talvez seja possível afirmar que haveria, nessa arte, uma tentativa de, como apontou Nestor Canclini,³ agir sob o dilema de “como ser radical sem ser fundamentalista”. Ou podemos dizer que o conceito de classe pode ser entendido aqui nos termos em que Michael Hardt e Antônio Negri4 o utilizam para compreender a multidão. Para além da associação com a classe operária ou a classe trabalhadora, a multidão é associada a um projeto político daqueles que estão sob a dominação do capital.

Em relação ao local de moradia, associar o bairro, a localidade, a uma categoria mais ampla chamada periferia, como o fez o movimento hip-hop, tornou os limites geográficos e territoriais do bairro algo menos delimitado e possibilitou certa cumplicidade entre os jovens moradores de diferentes bairros periféricos da cidade. Afirmar ser morador da periferia, nesse contexto, significa ultrapassar os limites territoriais da vila ou do bairro comuns na identidade de gangues e galeras, por exemplo.

A metamorfose semântica da palavra periferia também cumpriu um papel importante no fortalecimento de redes de articulação dos coletivos de diferentes lugares da cidade, para além de seus bairros de origem. Ao se assumir como um coletivo de arte periférica, o grupo estabelece uma conexão quase automática com outros coletivos de outras regiões. E esse é um aspecto muito apontado pelos próprios coletivos, de que há uma movimentação cultural mais ampla, para além de uma ou outra experiência pontual, identificada aí como arte ou cultura de periferia na cidade.

Edições especiais da revista Caros Amigos (2001, 2002 e 2004) tratavam especificamente da literatura marginal, referindo-se a um movimento de escritores periféricos. Porém, além das experiências de produções literárias e saraus, nesse movimento periférico há coletivos que se reúnem em torno de produções ou ações com audiovisual, blogs, sites, danças populares, samba de raiz, grafite etc. Uma das iniciativas de visualização em forma de movimento desses diferentes coletivos, com linguagens diversificadas e de distintas localidades da cidade (e da região metropolitana), deu-se através da Agenda Cultural da Periferia, publicada mensalmente pela ONG Ação Educativa de São Paulo. Nessa cidade, muitas dessas experiências de arte periférica vão encontrar abrigo em políticas públicas como o Programa VAI – Valorização de Iniciativas Culturais – da Secretaria Municipal de Cultura ou no Centro Cultural da Juventude.

Um crescente circuito de atividades culturais e políticas está fruindo nas periferias de São Paulo, tendo os jovens como atores e espectadores privilegiados, com uma intensa programação de conteúdo periférico. Essas expressões têm se constituído como nova forma de atuação juvenil em diferentes espaços da cidade nos últimos anos e têm se configurado como um forte movimento social em torno, sobretudo, de bandeiras como o direito à cultura.

Mestre em Antropologia, professor da Faculdade Paulista de Serviço Social e coordenador do Instituto Paulista de Juventude.

20 de julho de 2012

A Bastilha de Paris, hoje em dia


Há cidades que se reinventam. Que sabem se reinventar. Algumas, como Paris, são ricas. Outras, são pobres, como Lagos e Dakar, na África. Hoje falarei de uma curiosa reinvenção de Paris: a Bastilha - ou Bastille, como se diz em francês. A bastilha que nomeia o bairro, a antiga fortaleza - bastião, forte, arsenal - a que, ao ser tomada pela população, em 14 de julho de 1789, mudou o mundo, já não existe. 


Logo após a Revolução, ela foi desmontada e usada como aterro em obras públicas. Em seu lugar há uma grande praça, com um monumento. O velho prédio fôra construído entre 1369 e 1380 e era chamada Bastille Saint Antoine, Saint Antoine era o nome do quartier, do bairro, dominado por duas ruas que ainda existem, o Faubourg Saint Antoine e a Rue de Saint Antoine.

No seu lugar instalaram a primeira guilhotina, a dia "Do Ano II", que cortou exatamente 75 cabeças, sendo depois transferida para a Praça do Trono Virado, onde cortou 1.306 cabeças, antes de se instalar na Place de la Concorde, para cortar ainda bem mais que isso. Nesse tempo, a Praça da Bastilha era chamada Praça da Revolução.




A Coluna de Julho, com suas 74 toneladas, levou duraria 15 anos para ser concluída. Ela tem, gravados em ouro, os nomes dos parisienses mortos durante as Três Gloriosas e, em seu topo, figura a estátua do Gênio da Liberdade, Le Génie de la Liberté, composta por Auguste Dumont numa reprodução livro do Deus Mercúrio. Aos nem tão bons entendedores: A associação é: Mércúrio (Deus do Comércio) e Louis-Philippe (o Rei buguês). Pegaram? Pois é, uma revolução monárquico-burguesa... Vá entender.




A monarquia de Julho duraria 15 anos. Tanto ela como o movimento revolucionário que a levou ao poder celebravam a Revolução Francesa, sempre reivindicaram a herança política de 1779. Porém, era uma monarquia, é claro, e logo essas heranças foram esquecidas, ou melhor, traídas, e a revolução de 1845 pôs tudo a perder. E depois tudo ficou mais distante com o II Império, de Napoleão III. 

Mas, ao seu fim, com a instalação da III República (1870-1940), mais uma vez se viu a criação mitos. A III República, mais que todos os momentos políticos anteriores, procurou uma reapropriação simbólica da Revolução de 1789 como história de poder e da própria Bastilha como um espaço público. Essa reapropriação também envolvia reivindicar o ímpeto revolucionário das Três Gloriosas de 1830.


Ufa... se trata de uma representação (da revolução de 1789), dentro de uma representação (da revolução de 1830), dentro de uma terceira representação (da III República, em 1870). Um palimpsesto urbano. Um ciclo de apropriações dos sentidos da cidade.

Temos muito a aprender com isso.


E a história não terminou. Em função de todas essas re-representações, a Bastilha é a praça onde os partidos de esquerda, tradicionalmente, comemoram suas festas políticas. É o ponto de convergência das grandes manifestações e passeatas de Paris comprometidas com os programas socialista e comunista. Isto dito, pode-se compreender porque, em 1981, o primeiro presidente socialista da França, François Mitterand, decidiu que iria construir um novo marco na Bastilha: a nova Ópera de Paris.



E aí começa um novo ciclo de apropriações simbólicas do espaço. Construído para ser inaugurado em 1989 - ano do bi-centenário da Revolução - o novo prédio era provocativamente contemporâneo. Como se Mitterand estivesse dizendo: a Revolução não acabou, ela se renova, com novos compromissos. A nova Opera foi construída no lugar ocupado por uma gare, desativada desde 1969.



Cabe ainda notar que fica nessa praça um outro lugar simbolicamente relacionado ao espírito da revolução: o Café des Phares, que lançou o conceito de Café-Philo, café filosófico, segundo o qual, uma vez por semana (no caso, aos domingos), desde o ano de 1992, um filósofo é recebido para dar uma palestra, seguida por um debate com o público - tudo muito informal, e com vistas para a praça da Bastilha.


17 de julho de 2012

O que deve ser criticado no projeto Portal da Amazônia

Reproduzo um artigo que ecoa o grande problema gerado pelo projeto Portal da Amazônia, desenvolvido pela Prefeitura de Belém: a expulsão dos moradores da área para regiões periféricas. O artigo, de Jean-Pierre Garnier, sociólogo e autor do livro "Contra os territórios de poder", ajudar a compreender o que está por trás e também os resultados de um processo desse tipo:
A luta por espaço  
A chegada, aos bairros operários, de grupos sociais pertencentes às classes de maior poder aquisitivo é vista, com frequência, como uma invasão. Para a maior parte dos moradores afetados, essa mudança significa especulação financeira e imobiliária, o que acelera sua expulsão e substituição por cidadãos mais abastados.
por Jean-Pierre Garnier 
A reestruturação urbana pela “destruição criadora” adquiriu dimensão planetária. De Bombaim a Pequim, passando por Londres, Nova York ou Paris, bairros populares bem localizados são revitalizados, enquanto seus antigos habitantes são deslocados para conjuntos habitacionais de baixa qualidade nas periferias para dar lugar a projetos residenciais “de categoria”. Iniciativas culturais prestigiosas capazes de mobilizar investidores, promotores, diretores e quadros sociais superiores, além de turistas endinheirados. Em suma, para o geógrafo David Harvey, “a favela entra em colisão com o canteiro de obras global, assimetria atroz que só pode ser interpretada como uma maneira gritante de confronto de classe (1)”. 
Para além da aparição de novas formas de organização urbanística e arquitetônica, localizar esse fenômeno como conflito de classe não permite, contudo, afirmar que a luta secular entre dominantes e dominados pela conquista ou reconquista do espaço urbano se dá de maneira imutável ou estável. Seria negligenciar os efeitos ideológicos e políticos da recomposição de grupos sociais, em particular em países onde a “terceirização” ganhou mais importância que a industrialização. O crescimento das atividades do chamado setor de serviços vem sendo acompanhado, desde as últimas décadas do século XX, pela expansão de uma nova classe média ligada à polarização das funções-chaves financeiras, jurídicas e culturais em áreas urbanas elevadas à categoria de metrópole em escala mundial ou, ao menos, nacional. Dois aspectos gerais devem ser ressaltados: de um lado, o aumento do potencial dessa força de trabalho bem provida de capital escolar (estudos e diplomas de ensino superior) que, a fim de frutificar seus investimentos em educação, aliou-se à burguesia; de outro lado, o enfraquecimento do tecido industrial tradicional e a desagregação do movimento operário, que derrocaram os projetos de transformação radical da sociedade e os ideais de emancipação coletiva que os sustentavam. 
Divisões de classes  
“Confronto”, de acordo com a formulação de Harvey, não é necessariamente afrontamento. Hoje, é sobretudo sob a forma de separatismo que se manifestam as divisões de classes no espaço urbano. Os enfrentamentos diretos entre proprietários e despossuídos tornaram-se raros. O combate para se apropriar da cidade não acabou por falta de combatentes, mas porque, face à uma burguesia sempre na ofensiva, o outro protagonista, o proletariado, não está em condições de se opor a ela. A primeira “conserva o conjunto de atributos de uma classe: situação e destino comuns, sentimento de aparência e estratégias múltiplas de reprodução social, incluindo as ações para enfraquecer o mundo do trabalho (2)”. Os trabalhadores, ao contrário, perderam a consciência de sua existência coletiva e de seu “papel histórico” de sujeitos revolucionários destinados a subverter a ordem estabelecida, tal como lhes atribuíam os teóricos do socialismo. 
Sem dúvida, as manobras das classes dirigentes para privar o povo de seus territórios não pararam de suscitar resistência. Afrontamentos entre a polícia ou o exército e moradores de ciudades cayampas e favelas “disfarçados” de luta contra a delinquência e a subversão na América Latina; despejos realizados por militares nas periferias do Magreb e da África subsaariana; deslocamento forçado de antigos habitantes e demolição de suas casas na China “popular” para abrir terreno a infraestrutura e imóveis destinados a colocar as grandes cidades em dia com a mundialização do mercado; incêndios metódicos de grande calibre em ex-bairros “alternativos” de Berlim apropriados pela neo-burguesia após a reunificação... 
Também poderíamos mencionar as revoltas da população negra nos guetos estadunidenses nos anos de 1960 ou as de jovens imigrantes afro-caribenhos nas periferias inglesas marginalizadas, alvos de promessas de “reforma” por parte do governo de Margaret Thatcher no início dos anos 1980. Já na França, na Itália e na Espanha, manifestações, ocupações, multiplicação de squats, autorredução de aluguéis, florescimento de associações de residentes e comitês de bairro fizeram crer, nos anos de 1970, que estava se formando um novo tipo de movimento social qualificado pela sociologia crítica de “luta urbana”, mais ou menos explicitamente enquadrado na reivindicação do “direito à cidade” por todos. Teóricos e militantes de extrema esquerda que viram nessa agitação a abertura de uma nova frente de luta anticapitalista, porém, desencantaram-se rapidamente. 
Resistência efêmera  
Com algumas exceções, a junção esperada entre trabalhadores e citadinos como uma extensão do domínio da luta de classes não aconteceu. Em ocasiões em que se deu, como no Chile, Argentina ou certas cidades italianas e espanholas – Turim, Bolonha, Barcelona –, os trabalhadores chegaram a unir-se contra promotores, proprietários e seus apoios políticos, mas a resistência, revestida de formas efêmeras e sem futuro, foi quase sempre abafada pela repressão. Esse tipo de rebeldia também foi neutralizado pelas negociações com os poderes vigentes, processo no qual a combatividade e a radicalidade dos habitantes revoltados foram “amansadas” pelo processo de tornar seus líderes notáveis. 
As “lutas urbanas”, cuja eclosão deveria reforçar a participação de outras classes sociais junto ao proletariado e contra o capital, foram empreendidas e teorizadas por militantes “contestadores” oriundos da universidade (docentes, pesquisadores, arquitetos, assistentes sociais...). Contudo, a importância dada a esse “novo ambiente” vinha acompanhada de certa indiferença, quando não de pura ignorância em relação ao que acontecia no “mundo do trabalho”. Na França, sob a batuta de universitários da “segunda esquerda” (François Dubet, Didier Lapeyronnie...) – precursores do liberalismo social –, as lutas urbanas foram inclusive inscritas entre os “novos movimentos sociais” convocados a tomar o lugar de importância de um movimento operário esgotado. Estavam destinados a “transformar o contexto social” sem que fosse necessário acabar com o capitalismo, postulado então como inevitável. Para “mudar a cidade”, bastaria ajudar a sociedade a evoluir conferindo-lhe uma configuração mais “urbana”. 
É precisamente nessa tarefa que se lançaram um grande número de ex-críticos ferrenhos da urbanização capitalista. Assim, sociólogos e geógrafos, arquitetos e urbanistas, técnicos e eleitos locais conjugaram seus esforços para adaptar o espaço urbano aos requisitos do capitalismo “pós-moderno”. Após esvaziar toda e qualquer conotação revolucionária, não hesitaram em retomar certas temáticas do “direito à cidade” teorizado pelo sociólogo marxista Henri Lefebvre3: prioridade do qualitativo sobre o quantitativo; recusa da padronização das construções para preservar ou recuperar a historicidade, a autenticidade e a personalidade de um bairro; valorização dos espaços públicos – lugares da sociabilidade espontânea por excelência. 
Não se trata mais de fazer do espaço urbano tabula rasa como na época da “renovação-escavadeira”, quando pedaços – ou bairros inteiros – da cidade eram considerados “insalubres” e derrubados para “liberar terrenos” propícios ao florescimento de imóveis de “categoria” com fins residenciais ou comerciais. As ruas tortuosas e estreitas, herdadas ao longo dos séculos também foram submetidas ao mesmo processo, dando lugar a “anéis viários” e “radiais” para adaptar a cidade ao automóvel. Atualmente, a palavra de ordem não é “destruição” – salvo um ou outro edifício irrecuperável –, e sim “reabilitação”, “regeneração”, “revitalização” ou ainda “renascimento”. 
Em voga entre aqueles que ocupam cargos ligados à manutenção e à reorganização das cidades, essa terminologia visa sobretudo dissimular uma lógica de classe: reservar os espaços “requalificados” às pessoas “de qualidade”. “Todos esses termos que começam por ‘re’ são a priori positivos para a cidade, mas excluem completamente a questão social”, nota um geógrafo belga. 
“Quando um bairro torna-se descolado e entra na moda, isso implica que parte dos moradores será ‘descartada’. A região ‘melhora’, mas não para as mesmas pessoas4”. Dito de outra forma, se há “reforma urbana”, ela visa antes “renovar” a população local para que os moradores das zonas centrais dos grandes conglomerados urbanos possam exercer sua vocação: se impor como habitantes de “metrópoles” dinâmicas e atrativas. 
Especulação imobiliária 
Ainda que efetuada progressivamente, a chegada de grupos sociais pertencentes às classes assalariadas de maior poder aquisitivo e profissionais liberais em bairros operários é vista, com frequência, como invasão pelos habitantes originais. Para a maior parte dos moradores afetados, essa mudança significa especulação financeira e imobiliária, o que acelera sua expulsão e substituição no espaço por citadinos mais abastados e educados, desejosos de constituir uma identidade residencial que esteja de acordo com a identidade social. 
A “gentrificação” não atinge somente o espaço construído: afeta também o espaço político e, em particular, a natureza dos partidos da esquerda oficial cuja adesão popular não para de cair. “Trata-se de um fenômeno europeu”, nota o geógrafo Christophe Guilly: “por todos os lados vemos também uma ‘gentrificação’ da social-democracia5”. Não é surpreendente, portanto, que as municipalidades de esquerda se coloquem, na maior parte do tempo, à frente dos desejos e aspirações de sua nova base social, notadamente em questões de urbanismo, habitação e consumo cultural. 
No luxuoso folheto de divulgação das reformas programadas para a “Paris do século XXI”, a primeira secretária da prefeitura encarregada do urbanismo e arquitetura da cidade, Anne Hidalgo, resumia a vocação que se impõe aos locais escolhidos como alvo de reformas em grandes cidades: reforçar a identidade de “cidades globais”, “um estatuto que a capital francesa disputa com numerosas metrópoles mundiais6”. Os discursos líricos e consensuais sobre a necessidade de “romper o isolamento do núcleo da aglomeração” em relação à periferia e de levar um “novo olhar sobre o centro da região urbana” não deve gerar ilusões. Como o supertrem circular automatizado previsto pela hipotética “grande Paris”, o projeto de anel viário em torno de bairros tradicionais de Anvers não visa responder às necessidades urgentes de transporte dos habitantes locais, e sim colocar em relação direta polos econômicos, estradas, aeroportos e estações de trem. Em outras palavras, os pontos julgados vitais para a circulação do capital e que, articulados entre si, permitirão à metrópole francesa não ficar para trás na competição com suas rivais europeias. 
Que tipo de renovação?  
Afinal, os planos urbanísticos faraônicos, atrativos a complexos residenciais que incluem shoppings, museus, cinemas, centro de negócios etc., como por exemplo “grande Hanói”, não deveriam ajudar a ex-capital da resistência anti-imperialista a tomar seu lugar junto a Cingapura, Hong Kong e até mesmo Xangai? (ver artigo de Xavier Monthéard, na pág.10) E o que dizer da construção programada, em São Francisco, de um prestigioso “centro de trânsito” onde diferentes tipos de transporte público estarão conectados para tornar mais fluido o deslocamento em torno da baía? Essa operação de “renovação urbana” que inclui arranha-céus e equipamentos de lazer, é vista como meios para “transformar o perfil físico da cidade”. E seu perfil social também: a parte do antigo centro, com diversos imóveis ocupados, será simplesmente apagada do mapa (7).
O projeto que diz recuperar a parte central e a periferia de regiões urbanas para destiná-las à “comunidade” é apenas a aplicação espacial do princípio único que rege o conjunto da vida em sociedade por todo o planeta: a “concorrência livre e justa”. 
Jean-Pierre Garnier é sociólogo, autor do livro Contra os territórios de poder.
1 David Harvey, “The right to the city”, New Left Review, n° 53, Londres, set.-out. 2008.
2 Paul Bouffartigues, Le retour des classes sociales. Inégalités, dominations, conflits, La Dispute, Paris, 2004.
3 Henri Lefebvre, O direito à cidade, Ed. Centauro, São Paulo, 2008.
4 Mathieu Van Criekingen, La Tribune de Bruxelles, 6 décembre 2007.
5 Christophe Guilly, “La nouvelle géographie sociale à l’assaut de la carte électorale”,], Centre d’études de la vie politique française, Paris, 2002.
6 Anne Hidalgo, “Paris doit faire face à une évolution profonde du monde”, Paris 21 e siècle, Atelier parisien d’urbanisme-Le Passage, Paris, 2008.
7 Brad Ston, “Ambitious Downtown Transit Project Is at Hand”, The New York Times, 3 de janeiro de 2010.

14 de julho de 2012

A Lei da Mobilidade Urbana: estatuto da mobilidade sustentável

O eleitoral ano de 2012 começa com uma pequena revolução numa das áreas mais importantes no cotidiano do cidadão comum, que irá às urnas em outubro escolher o prefeito da cidade em que mora. Uma lei federal publicada este ano inverte uma lógica não escrita mas praticada de que o uso de carro particular orienta políticas públicas em transportes.

Clique aqui e conheça a lei 12.578/2012, a Lei da Mobilidade.


A lei entrou em vigor em abril deste ano. A partir dessa data, oficialmente, transporte coletivo terá de ser o grande protagonista nas decisões governamentais sobre o deslocamento urbano das pessoas.

A Lei da Mobilidade prioriza o transporte público coletivo e os meios não motorizados de transporte, como a bicicleta, integrando-a com os modos de transporte coletivo. A integração dos múltiplos modais, O objetivo é integrar os diferentes modos de transportes e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas.

Para desestimular o uso de carros e arrumar dinheiro para investir mais em ônibus, metrô e trem, estados e municípios poderão taxar a circulação de veículos em determinadas áreas, como fazem cidades como Londres e Estocolmo, por exemplo.

Pela mesma razão – e também por motivos ambientais –, estados e prefeituras estão autorizados a montar um rodízio de carros, algo que, se já existe hoje em São Paulo, carecia de um respaldo jurídico mais firme para sobreviver a contestações na Justiça, como agora acontece com a sanção da lei que cria a Política Nacional de Mobilidade Urbana.

O preço das passagens de transporte público, especialmente de ônibus, também tende, a médio prazo, a sofrer impacto com a nova lei – e para melhor, do ponto de vista dos cidadãos. A empresa que opera as linhas municipais terá de ser escolhida pela prefeitura por licitação, não mais por uma opção individual do prefeito. Vencerá a concorrência quem oferecer o menor preço.

A exigência de licitação vai tornar o processo mais transparente. Hoje, a empresa é escolhida só com base no desejo da prefeitura, que fixa a tarifa periodicamente a partir de estimativas sobre quantidade de passageiros e o custo para transportar cada um.

Outro ganho potencial para o usuário com a nova lei é a imposição de que em todos os pontos de ônibus e estações de trem e metrô e trem haja informações gratuitas sobre itinerários, preços, horários e possibilidade de integração com outros meios de transporte.

Sancionada em janeiro a lei entrou em vigor em abril e consolida avanços fundamentais que pretende tornar o transito e mobilidade nas cidades mais democráticos, avançando em práticas e conceitos que priorizem as pessoas e o meio ambiente.

Esta é a quarta lei setorial das políticas urbanas, que vem se somar ao Estatuto da Cidade, lei 10.257, ao Fundo e Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, lei 11.124, e o ao Marco Regulatório do Saneamento, lei 11.445. Aprovada com poucos vetos, esta lei é a síntese de um debate de praticamente 25 anos e que estava sendo articulada desde a criação do Conselho Nacional das Cidades.

As questões ambientais também estão entre as prioridades da Lei, que pretende estabelecer diretrizes para a redução da emissão de poluentes incentivando a valorização das formas não-motorizadas de transporte e o incentivo de criação de vias para pedestres nas cidades brasileiras.

Sobre a Política Nacional da Mobilidade Urbana, a lei afirma: 
“A Política Nacional de Mobilidade Urbana tem por objetivo contribuir para o acesso universal à cidade, o fomento e a concretização das condições que contribuam para a efetivação dos princípios, objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento urbano, por meio do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana. O Sistema Nacional de Mobilidade Urbana é o conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestruturas que garante os deslocamentos de pessoas e cargas no território do Município.”
Entre as principais diretrizes da Política Nacional da Mobilidade Urbana está a integração com a política de desenvolvimento urbano e respectivas políticas setoriais de habitação, saneamento básico, planejamento e gestão do uso do solo no âmbito dos entes federativos; a prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado; a mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade; e a integração entre os modos e serviços de transporte urbano.

Entre os objetivos da lei destaco: a) redução das desigualdades e promoção da inclusão social; b) promover acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais e c) proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à acessibilidade e à mobilidade;

Talvez uma das principais mudanças estabelecidas pela lei é a obrigatoriedade da elaboração do Plano de transportes e trânsito para as cidades com mais de 20 mil habitantes. Antes era previsto pelo Estatuto das Cidades que apenas cidades acima de 60 mil habitantes elaborassem este Plano, com a criação da lei. Isto em um prazo de 3 anos. Como forma de induzir a construção deste Plano de Mobilidade somente as cidades que elaborarem terão acesso aos recursos federais para as políticas de mobilidade.

Mas a elaboração do plano em si não basta ele deve ser elaborado de forma democrática e participativa, integrado com os outros planos setoriais entre os quais o Plano Diretor. 
Problemas

O objetivo da Política Nacional de Mobilidade Urbana é aproximar governo federal, estados e prefeituras no planejamento e execução de ações de transporte público, definindo o que cada um faz e como podem agir em conjunto, tendo em vista que é de interesse da população que as cidades fiquem mais amigáveis.

Pelo texto, o governo federal está agora obrigado por lei a dar suporte a financeiro a investimento em metrô, algo que vinha sendo feito desde o segundo mandato do ex-presidente Lula mas por uma opção do próprio governo.

Mas também há alguns problemas na lei resultante de projeto enviado pelo governo Lula ao Congresso em 2007 e que teve aval dos deputados em agosto de 2010 e dos senadores, em dezembro do ano passado. Alguns estão apontados em estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

13 de julho de 2012

O que é o Ação Metrópole? Verdades e apropriações políticas...

O Governo Jatene requentou notícia de que o Pará receberá recursos para a segunda etapa do Ação Metrópole. Para não recairmos no velho jogo das apropriações políticas, do tipo "Eu sou o dono da obra", vamos colocar as coisas no devido lugar e esclarecer: a) o que é o Ação Metrópole, b) qual a sua importância para a qualidade de vida de Belém e c) qual o real comprometimento dos agentes públicos e políticos com a sua realização.

Essas questões são vitais para que o assunto seja debatido com bom senso e propositividade na disputa eleitoral que começa - já que se trata de um dos projetos mais importantes para Belém e para sua região metropolitana e, talvez mesmo, o mais importante de todos.

Em primeiro lugar, o Ação Metrópole é a resposta inteligente para minorar as deficiências de fluxo de trânsito e, sobretudo, de transporte público de Belém. Esses problemas decorrem dos seguintes fatores principais - dentre outros, também impactantes:
  • a geografia da região, de forma penisular, que reduz a saída/entrada na região a uma única via rodoviária; 
  • a forma como se deu a ocupação desse espaço, com planejamento precário e cessão de grandes áreas a corporações militares; 
  • o problema da sub-moradia e das ocupações urbanas, que formam cerca de 45% das residências da RMB;  
  • o processo de proletarização seletiva, que expurga grandes contingentes populacionais do centro à medida em que suas antigas áreas de residência vão sendo valorizadas e ocupadas por empreendimentos imobiliários destinados à classe média e média/alta, fazendo com que esses contingentes se instalem em áreas periféricas menos alcançadas pelas políticas públicas;
  • a ausência de política pública para o transporte de massa;
  • a ausência de um planejamento de longo prazo, que pensa a região Metropolitana de forma integrada, organizando a expansão das manchas de ocupação e, necessariamente, a ampliação dos serviços públicos tornados necessários por essa expansão.
Essas várias situações, juntas, transformam a RMB num caos cotidiano, com impacto sobre a economia e sobre a qualidade de vida dos seus habitantes. A imagem abaixo, por exemplo, ilustra essa situação, mostrando a quantidade de linhas de ônibus que atravessam as principais vias de Belém:



O Ação Merópole é um programa de intervenção que objetiva racionalizar essa situação. Ele começou a ser planejado no ano de 1990, por meio de estudos contratados pelo Governo do Pará com a JICA, uma agência japonesa de planejamento urbano. Vários estudos foram feitos, medindo impacto e propondo soluções viáveis.

Por viável quer-se dizer exequível. Por exemplo: todos gostaríamos de resolver o transporte público de Belém com um metrô ou com uma linha de tramway (VLT), é claro. Mas Belém é uma cidade pobre, e não poderia custear um investimento dessa magnitude, ao menos sem um envolvimento muito amplo do Governo Federal. É nesse sentido que o sistema BRT (bus rapid transport), criado em Curitiba e disseminado por todo o mundo, se constitui como uma boa solução.


Construir um quilômetro de metrô custa, atualmente, entre 80 e 90 milhões de dólares. Fazer um quilômetro tramway - ou seja, de metrô de superfície, tecnicamenta chamado Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT) significa gastar entre 20 e 30 milhões de dólares por quilômetro. E implantar um quilômetro de Bus Rapid Transit (BRT) sai de R$ 7 a 15 milhões de dólares.


Pare percursos longos, como Icoaraci/Entroncamento/São Braz e Marituba/Entroncamento/São Braz, o BRT é, de longe, a solução mais indicada.

Mas o BRT não é tudo, é apenas parte da solução. Junto com ele é necessário que várias coisas caminhem juntas. E o problema é que elas nunca foram acontecendo e o projeto, na prática, ficou engavetado durante 20 anos.

Por que o projeto não foi em frente? Muito simples: por pura falta de vontade política. Nenhum governante ou gestor público, do PMDB, do PSDB, do PTB ou do DEM quiseram enfrentar o desgaste de duas negociações fundamentais para que o projeto caminhasse: a negociação com as diversas prefeituras da Região Metropolitana de Belém (RMB), todas elas com interesses próprios; e a negociação com os proprietários das empresas de ônibus urbanos da RMB, todas elas grandes financiadoras da política convencional, feita por esses partidos.

Por que seria fundamental a negociação com os prefeitos? Porque é necessário uma tarifa única e a regulação de fluxos, além de parcerias nas obras e assunção de compromissos comuns, necessários para a obtenção de crédito para a obra.

E por que seria fundamental a negociação com as empresas de ônibus? Simples, porque é preciso bom senso para o Ação Metrópole funcionar, e isso quer dizer suprimir linhas superpostas mas lucrativas, implantar linhas curtas e menos lucrativas, investir na frota e no treinamento de pessoal, etc. Em síntese: o Ação Metrópole só vai funcionar direito se todas as empresas se fundirem em uma só e o Estado participar do capital dessa empresa de maneira dominante, o que não diminui a lucratividade dos empresários tradicionais do setor mas diminui, necessariamente, seu capital social, caracterizado por esquemas políticos e, muitas vezes, associações à contravenção - ao jogo do bicho e coisas piores.

Qual o mérito do Governo do PT? Simples: só o PT teve a coragem política para resolver esses impasses e, além disso, teve a competência técnica para renovar o projeto, replanejando todas as idéias construídas dez, quinze anos antes, de modo a solucionar, tecnicamente, os impasses mais recentes do trânsito de Belém.

A solução dada pelo PT para o impasse político foi a seguinte: a criação e implantação de um órgão gestor metropolitano, com ação colegiada envolvendo todos os municípios beneficiados pelo projeto e a concepção de um modelo de gestão do sistema sob a forma de um Consórcio Público. Essa solução foi elogiada tanto pela JICA como pela Governo Federal. As duas entidades entrariam em funcionamento a partir da segunda etapa dos projeto.

Pessoalmente, duvido que isso aconteça. A maneira como o BRT está sendo feito faza com que ele não esteja integrado ao Ação Metrópole. O Governo Jatene vai dizer que está, mas isso será apenas um discurso vazio. Nem o Conselho Gestor Metropolitano e nem o Consórcio Público, provavelmente, serão implantados. Tanto o PSDB como o PTB apenas desejam acomodar os interesses divergentes, sem enfrentar os interesses das empresas de ônibus.

Provavelmente, o Ação Metrópole será apenas um arremedo do que poderia ser.

E o que, afinal, poderia ser? O mapa seguinte mostra o planejamento do PT para as três etapas previstas para o projeto:



Na primeira etapa (em vermelho), a ser concluída em 2010, tinha-se as seguintes ações:


1 - Expansão da Av. Independência num trecho de 4,78 km, ligando as Avs. Júlio César e Augusto Montenegro. Essa obra envolvia, além do projeto executivo, o Eia-Rima (relatório de impacto ambiental), desapropriações e reassentamentos. Tudo isso foi feito e o Governo do PT inaugurou a obra em 2010.






2 - A urbanização complementar da área de entorno do mangueirão. Também realizada pelo Governo do PT.



3 - A construção do viaduto no cruzamento das avs. Júlio César e Pedro Álvares Cabral e, ainda, a ligação desse modal com a av. Pedro Miranda. A obra também foi realizada pelo Governo do PT.



4 - O prolongamento da av. João Paulo II num trecho de 3 km e a preparação da rua Ricardo Borges, num trecho de 1,8 km, ligando essa av. ao Viaduto do Coqueiro, o que permite a integração entre a João Paulo II e a rodovia Mário Covas. O Governo do PT concluiu a primeira etapa dessa obra, correspondente ao projeto executivo, ao relatório ambiental e ao projeto de reassentamento das famílias deslocadas, mas não executou a obra. Por que não fez a obra? Por causa das manobras do PSDB e do PMDB, na Assembléia Legislativa, que dificultaram como puderam a obtenção do empréstimo necessário para sua execução.



5 - A duplicação da av. Dr. Freitas, com o remanejamento de cerca de 1.500 famílias para a área do residencial Liberdade, na Terra Firme. A obra também envolvia a finalização do viaduto atravessando a Almirante Barroso, com a construção de um túnel - obra iniciada quando o PT governou Belém e não concluída. Essa obra também só teve um trecho executado, em parte em função do atraso na conclusão do residencial Liberdade, em parte pelos mesmos motivos decorrentes da jogada política do PMDB e do PSDB.

6 - A recuperação da rodovia Arthur Bernardes, em todos os seus 14,6 km de extensão, ligando o centro de Belém a Icoaraci, com duas faixas de tráfego, acostamento e ciclovia. Essa obra também foi concluída no prazo pelo Governo do PT.

7 - A construção do Terminal Hidroviário, na Arthur Bernardes, resolvendo a questão do transporte fluvial de passageiros, eterno problema de Belém. Também essa obra foi concluída pelo Governo do PT e entregue em 2010 - apesar de o Governo Jatene pretender, simplesmente, tornálo inútil e jogar no ralo dos R$ 7,5 milhões investidos. A esse propósito, veja este post.



Tudo isso foi e/ou seria a primeira etapa do Ação Metrópole. Reproduzo abaixo um vídeo que fizemos na nossa TV Pará (aliás, que pena, hoje desativada pelo Governo Jatene):



Não posso deixar de perceber que o que o Governo Jatene está chamando de segunda etapa é, apenas, unicamente, o ítem 4 da primeira etapa e o BRT da segunda etapa.

Continuamos falando sobre o Ação Metrópole daqui a alguns dias. Vamos ver o que seriam, originalmente, as etapas 2 e 3 do programa e discutir seu impacto sobre a qualidade de vida na RMB.